Ricardo Domeneck

( suomi )

Agora que o senhor 
mais assemelha pedaço 
de carne com dois olhos
dirigidos ao teto escuro
no leito em que provável
só não há-de morrer só
porque nem a própria 
saliva poderá engolir 
por si na companhia 
somente desta sonda 
que o alimenta
me pergunto se ainda
em validade a proibição
da mãe em confessar
ao senhor os hábitos
amorosos das mucosas
que são minhas 
e se deveras me amaria 
tanto menos soubesse 
quanta fricção já tiveram
que não lhes cabia
biológica ou religiosa
-mente e se também
pediria para sua filhoa
a morte que desejou
a tantos de minha laia
quando surgiam na tela 
da Globo da Record 
da Manchete do SBT
que sempre constituíram
seu cordão umbilical 
com a tradição
e se deveras faria 
sobrevir a eles
grande destruição
pela violência
com que urrava
seus xingamentos
típicos de macho 
nascido no interior
desse país de machos
interiores e quebrados
em seus orgulhos falhos
de crer que o pai
é o que abarrota
geladeiras e não deixa 
que falte à mesa
o alimento que nutre
as mesmas mucosas
em que corre 
o seu sangue
mas não seu Deus
e ora neste leito partido 
o cérebro em veias 
como riachos insistentes
em correr 
fora das margens
se o senhor 
soubesse o dolo
com que manchei
a mesa 
de todos os patriarcas
ainda pergunto-me
se me receberia
com a mansidão
que aceita na testa 
o beijo desta sua filhoa
que nada mais é
que a sua imagem 
e semelhança invertidas
tal espelho 
que refletisse opostos 
de gênero e religião
ou o desenho
animado na infância
de uma Sala de Justiça
onde numa tela
podia-se observar
um mundo ao avesso
e se o Pai e o pai
odeiam deveras 
o gerado nas normas
da Biologia e Religião
mais tarde porém gerido
na transgressão das leis
que o Pai e o pai
impõem-nos na ciência
de sermos todos falhos
nessa Terra onde procriar
é tão frequente 
que gere prazer
nenhum e olho
o senhor
com essas pupilas
que talvez jamais
reflitam o Pai
mas ora veem o pai 
eu
mesmo pedaço 
de carne 
com dois olhos
peço perdão
em silêncio
pois sequer posso
dizer que não
mais há tempo
e mesmo assim
e porém
e no entanto
e contudo
pelo medo adversativo
de talvez abalar
uma sistema rudimentar
de alicerces
sob a casa
sob o quarto
sob esta cama
de hospital
emprestada
escolho
uma vez mais
o silêncio

<sup>Photo credit: <a href="https://www.paulmecky.com/">Paul Mecky</a></sup><br>Ricardo Domeneck is a poet, essayist, visual artist and performer born in Bebedouro, São Paulo, Brazil, in 1977. He has published nine collections of poetry and two collections of prose in Brazil, and volumes of his writing have been published in Germany, Spain and the Netherlands. He has performed at Museo Reina Sofía in Madrid, Museo Experimental El Eco in Mexico City, and other galleries and institutions. For Biennial of the Americas in Denver, Colorado, in 2013, he prepared a billboard-poem. He has collaborated with Brazilian and German musicians such as Tetine, Lea Porcelain, Nelson Bell and Francisco Bley. With Ellison Glenn, he runs Gully Havoc, a platform for music and text based in Berlin. Ricardo Domeneck lives and works in Berlin, Germany.<br>
Photo credit: Paul Mecky
Ricardo Domeneck is a poet, essayist, visual artist and performer born in Bebedouro, São Paulo, Brazil, in 1977. He has published nine collections of poetry and two collections of prose in Brazil, and volumes of his writing have been published in Germany, Spain and the Netherlands. He has performed at Museo Reina Sofía in Madrid, Museo Experimental El Eco in Mexico City, and other galleries and institutions. For Biennial of the Americas in Denver, Colorado, in 2013, he prepared a billboard-poem. He has collaborated with Brazilian and German musicians such as Tetine, Lea Porcelain, Nelson Bell and Francisco Bley. With Ellison Glenn, he runs Gully Havoc, a platform for music and text based in Berlin. Ricardo Domeneck lives and works in Berlin, Germany.

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